No período Edo (séculos XVII a XIX) houve uma certa difusão da espiritualidade nas artes marciais e o termo dojo passou a ser utilizado também como o "local (jo) do caminho (do)" para designar o lugar de prática e não somente o local onde os mongens praticavam meditação. Isto e o fato de que o fundador do aikido, o-sensei Morihei Ueshiba, era praticante do budismo shintoísta, trouxe vários elementos desta religião para os dojos de aikido em todo o mundo. O melhor exemplo é a presença de kamidanas nos kamizas de muitos locais de treinamento. Esta presença pode dar a falsa impressão de correlação direta entre religião e aikido e ainda ser motivo de algum constrangimento entre alunos que professem outra religião, uma vez que em muitos lugares se realiza a ritual de reverência em direção ao kamiza no início e fim dos treinos. Esse é o caso do dojo onde pratico no qual existe um kamidana com uma pequena réplica de altar budista (shinden) e, há algumas semanas, percebi que um colega participava da reverência apenas na parte dirigida à imagem do fundador e ao sensei ou instrutor do treino. Tentando não ser muito invasiva, perguntei a ele se havia algum impedimento religioso para tal e ele respondeu que sim mas que era uma questão pessoal, não havia uma proibição formal. Continuando a conversa, também fiquei sabendo que ele se sentia completamente à vontade para realizar o rei para o sensei ou o imagem do fundador porque, nesse caso, se trata apenas uma expressão de gratidão e respeito e não algo de caráter religioso.

Com sua devida permissão, decidi publicar este relato para ilustrar o fato de que, mesmo que objetivo principal seja mostrar, como bem citou meu colega, gratidão e respeito pela pessoa que fundou a arte que praticamos e por aquelas que se propoem a nos ensiná-la, cada um pode ter suas próprias motivações durantes o rituais que iniciam e terminam os treinos. Durante o mokuso, por exemplo, costumo me concentrar e desejar fazer (ou agradecer por) um bom treino mas sei de pessoas que fazem pequena orações, recitam mantras ou ainda realizam exercícios de respiração. Da mesma forma, o zarei (quando há) pode ser opcional se o aluno não se sente à vontade de realizá-lo por qualquer motivo (sempre com uma consulta prévia ao sensei, que conseguirá esclarecer qualquer dúvida). Todas essas atitudes são válidas e guardam a mesma essência de boa vontade.
Todos os aikidocas sabem que não se deve passar na frente do sensei, não é? E quando ele está em seiza? E quando ele está em seiza durante um exame? E quando ele está em seiza, durante um exame, junto com mais seis outros senseis também em seiza? Pois foi exatamente isso que a aluna fez quando tentou entregar as fichas de avaliação dos candidatos...
No "Diário" (parte II), falei que consta de meu exame a demonstração de técnicas livres de tomada de tanto. É necessário demonstrar defesas para ataques em tsuki, yokomen, shomen além de ushiro, yoko e mae waza. Como são técnicas que não praticamos em todas as aulas, é necessário um pouco de pesquisa e alguns treinos de aperfeiçoamento das técnicas mais familiares ao aluno. Boas fontes são vídeos de seminários, workshops e de exames de colegas.

Aqui abaixo, dois vídeos de inspiração para técnicas de tanto tori, o primeiro de uma demonstração (estilo Iwama) e o segundo do estilo Aikikai com Yamada sensei:




Estilo Iwama -
kote gaeshi, ikkyo, kubi shime, shiho nage, sankyo, kokyo.


Yamada sensei -
mae waza, katatori tsuki, tsuki, ushiro katate kubishime (clique no link, este vídeo não pode ser incorporado)

O que se faz quando seu hakama rasga de cima a baixo bem no meio de uma demonstração em um treino com uma turma lotada? Meu amigo apenas olhou para o sensei e disse calmamente:

— Sensei, acho que eu tenho um problema...





Imagem: Educar Já!



Holding Up Half The Sky - Women in Aikido é um vídeo de 60 minutos que traz a compilação de demonstrações e entrevistas das dez mulheres mais influentes no aikido dos Estados Unidos.
Imagem: sensei Yoko Okamoto (daqui)

Segundo a aikidoca e produtora do vídeo, Malory Graham, a inspiração foi perceber que a maioria dos seminários realizados ao redor do mundo eram ministrados instrutores homens, enquanto que as mulheres, de mesma graduação ou maior, eram ignoradas neste aspecto.

As entrevistas ali contidas foram, muitas vezes, gravadas nos dojos onde as aikidocas eram chefes dos instrutores. Editado em 2004, o objetivo era dar visibilidade ao aikido praticado pelas "top ten" mulheres da United States Aikido Federation que, na época, possuiam graduação de 5o dan ou mais. Participam Penny Bernath (instrutora sênior do Florida Aikikai, 6
o dan), Barbara Britton (instrutora do Framinghan Aikikai, 6o dan), Coryl Crane (instrutora chefe do North County Aikikai, shihan 6o dan), Lorraine DiAnne (instrutora chefe do Westside Aikikai, shihan 6o dan), Gloria Nomura (instrutora chefe do San Francisco Aikikai, shihan 6o dan) Yoko Okamoto (fundadora do Portland Aikikai e instrutora chefe do Aikido Kyoto, 6o dan), Jane Ozeki (instrutora do New York Aikikai, 7o dan), Kristina Varjan (shihan 6o dan), Susan Wolk (instrutora do Aikido of Northampton por 25 anos, secretária geral da U.S. A. F., 6o dan) e Gina Zarrilli (6o dan).

Abaixo, um extrato com Penny Bernath sensei:



NOTA: O site do projeto traz informações adicionais e o vídeo, em formado DVD ou VHS, pode ser adquirido com pagamento via PayPal e enviado para todos os países.
Imagem: Shinto-Religion.com

Parece que há alguma confusão entre as denominações kamiza e kamidana que, às vezes, são utilizadas indistintamente mas que designam elementos, embora relacionados, totalmente diferentes.
O kamiza ou
shomem é o lado principal da área de treinamento de um dojo (veja "estrutura do dojo") e pode conter, entre outros elementos,um kamidana, a foto do fundador e uma caligrafia emoldurada. Alguns dojos costumam colocar também flores um conjunto de armas do sensei ou ainda fotografias que ilustrem sua linhagem de treinamento, desde seu mestre imediato até o doshu ou fundador do seu estilo de aikido.
Segundo o
site Japão Tradicional, a expressão kamidana quer dizer literalmente a base onde fica o kami (divindade) e deve conter apenas os pertences relacionados ao altar, como um shinden, que significa "a casa do kami" e é uma pequena réplica de templo budista/shintoísta.

Segundo o contador de visitas do blog (Statcounter), o link de entrada mais utilizado pelos leitores do Onegaishimasu é a busca por ukemis no google. Para esses e outros leitores, aqui está uma republicação do glossário de ukemis com vídeos dos principais rolamentos e quedas:

  • Mae kaiten - rolamento para frente (vídeo)

  • Mae yoko - rolamento frontal com finalização lateral (básico, avançado)

  • Ushiro hanten - queda* para trás com parada (vídeo)

  • Ushiro kaiten - rolamento para trás com giro completo (vídeo)

  • Ushiro mae kaiten - rolamento de mae kaiten para trás

  • Ushiro mae yoko - rolamento de mae yoko para trás (vídeo)

  • Ushiro otoshi - queda* de costas (vídeo)

  • Ushiro yoko hanten - queda* para trás com finalização lateral com parada

  • Ushiro yoko kaiten - rolamento para trás com finalização lateral
Aqui, vídeo com uma proposta de treino de quedas com finalização lateral. Neste, treino para ushiro otoshi e neste, aplicação prática de quedas.


せんせい - Sensei - (se-n-se-ê)
*
Transcrição fonética da palavra sensei

Recebi o seguinte e-mail do leitor do blog Yeddo Soledade:
"Soraya, você poderia escrever sobre o que é um sensei? Não a respeito do que significa mas como alguém se torna sensei ou quando isso acontece... a partir de qual graduação ou porque é assim..."

O Yeddo é meu amigo, nos conhecemos quando morei por um tempo no nordeste e treinamos juntos no mesmo dojo em Salvador, na Bahia. Sua colaboração veio já há muitas semanas mas essa foi uma pesquisa difícil de ser feita apesar de já estar escrevendo o texto sobre a qualificação de instrutores da Fundação Aikikai. E a razão é bem simples: há muita variação e pouco material escrito sobre o assunto. Não há regras e cada organização ou mesmo dojo trata do assunto de uma forma diversa. Apesar disso, alguns pontos parecem ser consenso e é deles que o post trata.
O título registrado de "sensei" (como os shidoin, fukushidoin e shihan) não existe e a palavra quer dizer literalmente "aquele que veio antes". No Japão, o termo sensei é usado para professores, mestres e líderes religiosos (como monges), mas nas artes marciais tem a conotação, quase sempre, daquele que tem experiência para ensinar e orientar os discípulos. Normalmente, os alunos mais iniciantes têm a tendência de identificar qualquer yudansha como sensei mas, apesar de algumas artes marciais adotarem essa postura, o mais comum no aikido é que o termo seja exclusivo daqueles de mais alta graduação, normalmente acima de 3o dan. Umas das melhores explicações que ouvi foi a que um sensei é um "guardião das tradições" e que, portanto, precisa conhecer e respeitar essas tradições, o que talvez seja muito prematuro para alguém tão iniciante quanto um aluno de 1o ou 2o dan. Lembrando que na cultura oriental o aluno se torna shodan relativamente cedo e se considera que a partir daí se inicia a parte mais importante do aprendizado.
Para nós, o sensei mais conhecido é, claro, o fundador Morihei Ueshiba, conhecido como o-sensei ou "grande sensei", título que é utilizado também para outros mestres importantes como, o fundador do karate kyokushin, Masutatsu Oyama sensei, por exemplo. O termo waka sensei (jovem sensei) é relacionado ao membro mais jovem de uma família (ou de pessoas que tem o mesmo nome) e é utilizado para designar o filho do doshu, que por ser o mais velho é chamado de daisensei.


*No Brasil e na maior parte do ocidente, a palavra sensei é pronunciada da mesma forma que é escrita mas, em japonês, o "i" final é suprimido.


Antes mesmo de receber o convite para prestar exame, uma das minhas maiores preocupações era executar bem ushiro otoshi ukemi. Como não é uma queda que eu treine regularmente (exceto as formas básicas), tenho alguma dificuldade com a forma "aérea" e portanto tenho treinado bastante este rolamento (treino mesmo, nem é porque meu sensei lê esse blog...). A forma mais comum de treino necessita da ajuda de uma outra pessoa que forneça um ponto de apoio mas é possível desenvolver sozinho outras maneiras de estudar o ukemi. Uma delas é a mostrada no vídeo abaixo:



O autor do vídeo propõe um método no estilo "passo-a-passo" que é iniciado com exercícios de "solo" e que vão progredindo até o ukemi aéreo completo. Uma outra abordagem é feita também pelo sensei Donovan Waite no "Meeting The Mat", sobre o qual já foi feito uma resenha aqui no blog.

Imagem: Rosemberg Sampaio

Esta imagem, apesar de visualmente poluída (sem edição, note as pessoas e os objetos atrás), é interessante porque foi captada em um seminário para 1300 pessoas e o Tamura sensei parece flutuar fazendo mae kaiten ukemi completamente só (os alunos observavam fora do enquadramento). Ele, com mais de 70 anos, demonstrou força e vigor impressionantes em dois dias de treinos. Buenos Aires, Argentina, novembro de 2007.

Como citado na parte II do Diário, meu exame para shodan inclui henka waza, que deve ser demonstrada em, no mínimo, 5 modos diferentes. Para esse tipo de treino, gosto muito do modo sugerido pelo sensei: para cada ataque, o nage vai aplicando um número determinado de técnicas encadeadas, sempre mantendo o contato com o uke que reage sutilmente a cada defesa não completamente finalizada. Por exemplo, o uke ataca em shomen uchi e o nage pode aplicar primeiro kote gaeshi. O uke consegue ficar de pé antes da imobilização e o nage aplica a segunda técnica (shiho nage, por exemplo). Quando o uke novamente reage antes da imobilização, o uke aplica sankyo e segue então com yonkyo e finalmente com kokyo ho.
Seguindo o modelo deste exemplo, pode-se treinar uma infinidade de sequências partindo de diferentes modos de ataque e de números de técnicas aplicadas.
O que vai contar é o repertório do praticante e a movimentação adequada para manter a conexão e o contato com o uke.
...a menina era faixa branca mas já se sentia uma aikidoca de verdade, afinal sabia fazer mae ukemi e, na turma de iniciantes, era frequentemente chamada para ser uke nas demonstrações do instrutor, um japonês muito sisudo e sério. Numa dessas vezes, a turma cheia, quando foi chamada se levantou muito feliz, caprichou na postura, se preparou para receber a técnica e... acabou no tatame com uma perna inteira DENTRO do hakama do instrutor.


NOTA: nunca se soube como isso pôde acontecer mas a praticante em questão continuou treinando e hoje escreve um bloguinho sobre aikido...
No último post do "Diário", comentei que o exame era bem longo e que incluía técnicas com armas e de taijutsu. Abaixo está o programa completo exigido (no meu dojo) para a obtenção do grau de shodan:


Monografia sobre tema relacionado ao aikido

Demonstração de ukemis (rolamentos básicos, variações e com obstáculos)

Demonstração de esquivas

Demonstração com armas
  • Suburis de bokken (ken no suburi de 1 a 7)
  • Tachi tori 1 a 10
  • Suburis de jo (jo no suburi de 1 A 20)
  • Ju san no kata (kata 13 movimentos)
  • San ju ichi no kata (kata 31 movimentos)
  • Jo tori de 1 A 11
  • Tanto tori (defesa contra os ataques: 3 tsuki, 2 men uchi, 3 yoko men uchi , 1 ushiro waza, 1 mae waza, 1 yoko waza)
Demonstração de taijutsu

1 Programa de técnicas de 5o kyu
  • Ai hanmi shomen uchi ikkyo (omote e ura)
  • Ai hanmi shomen uchi iriminage (omote e ura)
  • Gyaku hanmi katate tori shiho nage (omote e ura)
  • Gyaku hanmi ryote tori tenchi nage (omote e ura)
  • Ai hanmi tsuki kote gaeshi (ura)
  • Ai hanmi ushiro ryo tekubi tori kote gaeshi (omote)
  • Gyaku hanmi morote tori kokyo ho

2 Programa de técnicas de 4o kyu
  • Ai Hanmi shomen uchi nikkyo (omote e ura)
  • Ai Hanmi yokomen uchi shiho nage (omote e ura)
  • Ai Hanmi tsuki irimi nage (omote e ura)
  • Ai Hanmi ushiro tekubitori sankyo (omote e ura)
  • Ai Hanmi ushiro ryokata sodetori kote gaeshi (ura)
  • Suwari waza ai hanmi shomen uchi ikkyo (omote e ura)
  • Suwari waza gyaku hanmi kata tori nikkyo (omote e ura)
  • Suwari waza gyaku hanmi kata tori sankyo (omote e ura)

3 Programa de técnicas de 3o kyu
  • Ai hanmi yokomen uchi irimi nage (3 variações)
  • Ai hanmi yokomen uchi kote gaeshi (3 variações)
  • Ai hanmi tsuki kaiten nage (ura)
  • Ai hanmi ushiro ryokata sodetori sankyo (omote e ura)
  • Gyaku Hanmi morote tori irimi nage (2 variações)
  • Ai Hanmi shomen uchi sankyo (omote e ura)
  • Suwari waza ai hanmi shomen uchi irimi nage (ura)
  • Suwari waza ai hanmi shomen uchi nikkyo (omote e ura)
  • Hanmi handachi waza gyaku hanmi katate tori shiho nage (omote e ura)
  • Hanmi handachi waza katate tori kaiten nage (uchi e soto mawari)

4 Programa de técnicas de 2o kyu
  • Ai hanmi shomen shiho nage (omote e ura)
  • Ai hanmi shomen uchi kaiten nage (omote e ura)
  • Ai hanmi yokomen uchi gokyo (omote)
  • Ai hanmi ushiro ryo tekubi tori shiho nage (omote e ura)
  • Ai hanmi ushiro ryo tekubi tori juji nage
  • Ai hanmi ushiro katate kubi shime koshi nage
  • Gyaku hanmi morote tori nikkyo (ura)
  • Hanmi handachi waza ai hanmi shomen uchi irimi nage (ura)
  • Hanmi handachi waza gyaku hanmi katate tori nikkyo (omote)
  • Hanmi handachi waza ai hanmi yokomen uchi kote gaeshi (omote)

5 Programa de técnicas de 1o kyu

  • Técnicas de defesa contra katatori men uchi (no mínimo 5)
  • Técnicas de defesa contra yoko men uchi (no mínimo 5)
  • Técnicas de defesa contra morote tori (no mínimo 5)
  • Técnicas de defesa contra shomen uchi (no mínimo 5)
  • Técnicas de defesa contra ryote tori (no mínimo 5)
  • Koshi nage (contra ataques em tsuki, men uchi, yoko men uchi, ai hanmi katate tori, gyiaku hanmi katate tori, morote tori, ryote tori, ushiro ryote tori, katate kubishime)
  • Suwari waza (técnicas contra ataques em tsuki, shomen uchi, kata tori)
  • Hanmi handachi ushiro waza

6 Henka waza
(transformação de técnica - no mínimo 5)

7 Jyu waza (técnicas livres de defesa contra 4 pessoas)

Gosto muito desse programa porque
acredito que, apesar de longo, é bem diversificado e compatível com o conhecimento técnico exigido do grau de shodan. Vamos ao desafio!